terça-feira, 16 de julho de 2013

eNorma e direito fundamental à transparência tecnológica

Transparência: o direito de olhar,
ver e entender
Em artigo do final de 2012, lançamos duas ideias básicas referentes ao reconhecimento da existência da eNorma (norma tecnológica) e à necessidade correlata de estabelecer padrões de transparência a respeito.   Entre outras coisas, no artigo,  (i) constatou-se a chegada das novas tecnologias da informação e da comunicação ao processo, (ii) passou-se pelo exame do impacto de uma delas – o software - num fenômeno  referido como softwarização do processo,  (iii) evidenciou-se o surgimento da nova categoria científica processual - a norma tecnológica ou eNorma - e (iv)  chegou-se à sugestão de enunciação e constitucionalização de um novo direito fundamental  à transparência tecnológica.  

Pelas circunstâncias do momento, usou-se o processo e sua informatização para demonstrar a urgência de explicitar esse direito fundamental à transparência tecnológica[1]. Mas, na verdade, tal direito  tem sido ventilado e justificado, num âmbito mais geral, e se faz necessário diante do avanço das tecnologias em todas as áreas de egovernança.

Em 2007, nos Estados Unidos, Danielle Keats Citron, professora assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Maryland/EUA,  desenvolveu um extenso trabalho de pesquisa e compilação, reportado em artigo sob o título technological due process[2], enfocando a atuação das agências administrativas e suas práticas automatizadas. A pesquisa concentrou-se nos chamados BMSs (Benefits Management Systems) norteamericanos e os incontáveis exemplos presentes naquele estudo demonstram o impacto, os problemas e as dificuldades da automação dos processos de adjudicação dos benefícios. No Brasil, o projeto do novo código de processo civil  reconhece a presença das inovações e os teóricos falam, aqui também, do devido processo tecnológico.

Por outro lado, parece estranho voltar à carga com a questão da transparência, uma vez que, em 2011, no Brasil, a lei 12.527 tratou do acesso à informação, sob discurso estribado fortemente na ideia de transparência. Aquela lei, entretanto,  acrescentou pouco à disciplina processual, toda ela permeada, desde a base, pela publicidade.  Por incrível que pareça, o legislador, em tão extenso e minucioso documento, não se ocupou adequadamente das novas tecnologias da informação (TIs), colocando sua incorporação, clara e expressamente, sob as luzes da transparência.  Nesse especial aspecto, a lei poderia ter efetivamente inovado para o processo, que está sendo invadido por essas tecnologias, mas não o fez.

O que se quer dizer é que o legislador ocupou-se dos dados e, pela via da facilitação do acesso a eles, buscou cercá-los da necessária transparência.  Perfeito? Nem tanto. 

Num mundo dominado pelas tecnológicas da informação, onde o acesso ao dado é sempre mediatizado (não se consegue ler nada diretamente, dependendo sempre de uma ferramenta!), parece claro que a própria ferramenta deve ser alvo dessa “prescrição de transparência”.  

Como demonstra o artigo de 2012, quando se aprofunda o fenômeno da softwarização e os sistemas vão além da mera recepção e do manejo dos dados para exibi-los, ocupando-se, também, de muitos aspectos anteriormente entregues a humanos (automação, agentes automatizados...), a questão da transparência ascende a nível superior. Pode-se estar diante das normas tecnológicas (eNormas) e saber, em linguagem clara e acessível, como foi determinado e codificado o programa com o qual todos irão interagir é um direito fundamental.  Saber por que, onde, quando,  por quem  e, notadamente, como o agente automatizado de interação está determinado para agir parece, sem dúvida, ser um direito dos usuários dos sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais (SEPAJs).




[1] Entende-se que este assunto merece um tratamento geral, com fundamentos ampliados. No artigo, fechou-se o foco no processo judicial e explicitou-se o direito fundamental geral como um caso particular para o processo. 
[2][2] CITRON, Danielle Keats. Technological due process. Washington University Law Review.  St. Louis, v. 85, p. 1249, 2008.  O paper está disponível em: http://ssrn.com/abstract=1012360. Acesso em: 25 jun. 2012. 

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