domingo, 21 de abril de 2013

Code is law! Será? Advogados e cientistas devem "ligar-se" diante do tecnológico

Você está sendo dominado
 pelo computador?

A conhecida afirmação de Lawrence Lessig[1] - code is law! -  tomada acriticamente, condiciona muitos comportamentos, tendo em vista o desconhecimento dos “mistérios” tecnológicos pelos juristas. 
  
No corre-corre de todo dia, diante do processo eletrônico, a primeira urgência dos advogados, por exemplo,  é descobrir o botão a ser apertado, o campo a ser preenchido, o caminho a ser seguido, para fazer a petição da hora.  Os juristas, de forma geral, acham-se sem tempo para avançar pela seara tecnológica, entender o fenômeno da softwarização, que está dominando tudo, e ganhar condições de criticar tal assertiva.

Pois bem... Utilizemos o "botão" para representar todas essas urgências diárias impeditivas de um mergulho mais fundo na teorização do mundo virtual em que estamos imersos. Os prazos são inimigos da perfeição. Sempre foram. Sob a pressão costumeira, entre salas de audiência e escritório,  não há tempo para questionar ou muito pensar. Fazer é preciso.


Mas, ao menos em algumas instâncias especializadas - e a OAB deve desempenhar um papel fundamental nisso! -, é necessário que os advogados comecem a se perguntar se: 

(a) este botão deveria estar aí? 
(b) por que este botão está aí? 
(c) quem botou este botão aí? 
(d) há base legal para este botão estar aí? 
(e) quem e como decidiu que este botão deveria estar aí?
(f) quem pôs o botão aí obedeceu com rigor a determinação dada de colocar o botão aí?

As questões não se referem ao design, é óbvio, ao look-and-feel, à aparência ou à usabilidade, embora esses sejam aspectos importantes também. Elas se reportam ao jurídico.

Essa forma figurativa de exprimir os dilemas e perplexidades de todo dia são um ingrediente indispensável da evolução atual para o processo eletrônico, para que ela ocorra de forma jurídica. E para que se possa afirmar, aí sim, que code is law

O espírito curioso e inquisitivo do advogado - que faz parte do perfil típico desse profissional - deve "ligar-se" diante do tecnológico. Não se pode, simplesmente, aceitar que "código é lei" (code is law). Ou que "código é Direito", que é a tradução mais acertada para a expressão consagrada de Lessig. É bom esclarecer que code, nesse contexto e continuando com a figura inicial do botão, significa "instrução de computador", uma regra codificada que o computador interpreta e cumpre, colocando na tela um "botão" (ou uma exigência qualquer) que deve ser apertado. Code, nesse juízo assertivo, é o  código que legitimamente providencia o botão na tela. Eles  - o código e o botão - representam todos os óbices, dificuldades, facilidades e exigências que  amarguram o advogado, no dia a dia, na operação do sistema eletrônico. Ou o juiz, naquele momento em que deve arranjar um jeito de fazer o processo andar, apesar de o botão necessário e óbvio estar ali mas não produzir exatamente aquele resultado esperado. code é o que está por trás e que realmente produz o visível, o botão. O code é a norma tecnológica.

Essa postura crítico-reflexiva vai expor as muitas intransparências e opacidades  do esforço em curso, no país, para implantar o processo eletrônico,  e dará fundamento para reivindicações de transparência,  abertura e cobranças de condução dos processos segundo os ditames do devido processo (technological due process[2]). 

Pois é... falando para os cientistas, a proposta desse blog  é que a ciência do direito precisa assumir isso (que o código é ou pode ser Direito, ou não!), validar isso, e passar a construir seus arcabouços contemplando esse novo "tijolo" - a norma tecnológica.

A meu ver, isso não tem acontecido. O "code" está precisando ser visto como Direito, dentro do nosso pensar de orientação euro-continental e segundo nosso modo de fazer ciência, com suas especificidades, mas com incorporação ao jurídico com a unção das qualidades que tornam certas regras Direito.

A percepção desse tipo normativo novo - com suas imensas peculiaridades (não interpretação na aplicação, vinculação, prévia-interpretação, deslocamento temporal e espacial das decisões, abandono da ideia güntheriana de situacionalidade no discurso de adequação, generalização/centralização de foro...) -  torna evidente que, ao contrário do que alguns ainda pensam, a tecnologia impacta profundamente a vida do Direito e do processo. A ponto de exigir uma evolução da própria ciência. 

Para o "code" ter acolhida sua pretensão a ser Direito sob a ótica da ciência que, é claro, vai especificar os caminhos para tanto, as reflexões em torno dessa nova espécie normativa parecem-me muito relevantes. 

A Ciência deveria abrir-se para o estudo da norma tecnológica - este ente híbrido jurídico-tecnológico - e os advogados deveriam entendê-la para fazer o que fazem todos os dias diante dos textos legais: escrutiná-los frente à Constituição e a lei.

Num cenário assim, poder-se-ia, sim, passar a trabalhar com a presunção relativa de que code is law.   



[1] LESSIG, Lawrence. Code. Disponível em:  http://codev2.cc/download+remix/Lessig-Codev2.pdf. Acesso em: 18 abr. 2013.
[2] Conforme a expressão utilizada por CITRON, Danielle Keats. Technological due process.  Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1012360. Acesso em: 18 abr. 2013. 

2 comentários:

  1. Brilhante, Tavares. Também começa a me preocupar as emulações ou contrafaçoes necessarias para driblar as restrições de um sistema processual eletrônico, especialmente por ferir uma característica especialíssima do processo, que consiste no registro fiel do caminho trilhado para a construção de uma decisão justa. Até que ponto estes dribles não comprometerão esse fiel registro?

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  2. Dr Kleber Waki,

    Obrigado pelo incentivo à reflexão, o qual é mais valioso por vir de V.Exa., um magistrado fã das inovações - todos sabem! - mas sempre muito atento às questões jurídicas de fundo que, ao fim e ao cabo, são o que realmente importa.

    Seu profundo conhecimento da ciência processual, aliado à prática atenta e reflexiva, deve ter ajudado a captar bem esse aspecto da necessidade do "registro fiel do caminho" processual para a decisão.

    O processo legitima-se por essa fidelidade, como bem destaca. Nenhuma decisão poderá pretender, legitimamente, impor-se, se não tiver nascido de um caminhar processual que respeitou, além das muitas e constitucionais disposições atinentes ao processo, a mais elementar delas: o compromisso do próprio processo com o registro fiel dos atos/fatos que o corporificam.

    Obrigado pelo realce desse aspecto.

    Abraço.

    Tavares


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