1. Acoplamento de sistemas psíquicos (ou de consciência, os homens) e técnicos (máquinas, software)
Os SEPAJ - Sistemas Eletrônicos de Processamento de Ações Judiciais (art. 8º da Lei 11.419/2006) são sistemas técnicos que se acoplam a sistemas psíquicos para fazer o processo eletrônico. Hoje há inúmeros sistemas em utilização: eProc, SAJ, PJe, PJe-JT, Projudi etc.
O entendimento desses sistemas técnicos, cujo âmago jurídico é composto de eNormas (normas tecnológicas), e de seu papel, é fundamental para a teorização do processo de agora em diante.
Todos os sistemas sociais, como é o caso do processo, dependem, para operar, do acoplamento com sistemas psíquicos, isto é, com pessoas - advogados, juízes, servidores etc - , que lhe garantem a base de comunicação para produzirem sua dinâmica autopoiética. Sem pessoas não há sistemas sociais.
Até agora, o processo judicial, como sistema social que é, sempre operou pela via de acoplamentos com sistemas psíquicos. Com a chegada da tecnologia e dos agentes automatizados, o processo ganhou a possibilidade de valer-se de sistemas de outra natureza, os sistemas técnicos, capazes também de lhe proporcionar os meios comunicacionais para os giros autopoiéticos.
Por isso, pode-se afirmar que o processo, com a incorporação
da tecnologia, ganhou um caráter híbrido, novo e diferente do que sempre existiu. O processo judicial eletrônico é um sistema que se faz pela
articulação de sistemas psíquicos e técnicos (algoritmos ou máquinas
virtuais).
No caso da Justiça do Trabalho, o agente automatizado sistema (Pje-JT), de que fala
persistentemente a resolução CSJT 136, acopla-se com os sistemas de consciência
(humanos) para a geração do sistema judicial eletrônico, incumbindo-se ele, o tal sistema, de
inumeráveis papéis antes entregues somente a sistemas psíquicos. Para distribuir uma inicial, por exemplo, o advogado depende de uma interação reativa com o SEPAJ, o qual se incumbe da identificação do advogado e da recepção da peça, fazendo, na sequência, a autuação e a distribuição (se necessária), além dos primeiros encaminhamentos do processo. Todo e qualquer retorno aos autos dependerá da intermediação desse sistema técnico.
2. Processo feito só por homens e processo feito por homens e máquinas (software): o encerramento operativo e o problema da causalidade
A afirmação de transformação da natureza do sistema processual,
para classificá-lo como híbrido, advém da afirmada articulação de sistemas
técnicos e de consciência. Dessa
hibridez emergem características distintivas do novo processo que forçam a TGP
a se repensar. Vive-se, na visão kuhniana, uma transformação de paradigma
? De fato, são muitas as particularidades do
novo ente processual que justificam essa ideia de natureza nova, híbrida, do processo.
A transformação da natureza, pelo acoplamento com sistemas técnicos, induz alterações substanciais no processo.
A teoria do encerramento operativo, por exemplo, distingue
sistemas técnicos e sistemas de sentido (psíquicos ou sociais), caracterizando
os primeiros como sistemas
causalmente
fechados e os segundos como sistemas
causalmente
abertos[2].
Ao contrário dos sistemas técnicos, os
sistemas psíquicos, até agora os únicos provedores do dinamismo operacional ao sistema
processual, " [...] têm a
particularidade de poder estar referidos ao meio e de reproduzi-lo dentro de si
mesmos sem que tenham de produzir efeitos causais."
Causalmente abertos significa que das mesmas causas podem advir mesmos efeitos,
efeitos diversos ou até nenhum efeito. Ou, ainda, que causas diversas podem
produzir o mesmo efeito.
Com a
hibridização do sistema processual, pela via do software (eSujeitos, agentes
automatizados), o processo ganha
trechos causalmente fechados (triviais, no
linguajar de Foerster, que ligam causas e efeitos inescapavelmente)
intercalados com segmentos operativos causalmente abertos.
Há quem diga que o sistema técnico é mero
instrumento de outros sistemas psíquicos (os elaboradores) e que, portanto, não há mudança de
natureza do processo. Eles esquecem que os sistemas psíquicos que elaboram o sistema técnico se manifestam,
no processo, por meio de tais sistemas técnicos, determinísticos, causalmente
fechados
. O
meio altera a forma de manifestação, condicionando-a. A
humanidade desaparece das operações entregues aos agentes
automatizados (eSujeitos). É válido,
portanto, afirmar a transformação da natureza do processo, considerando-o
híbrido quando feito de forma
eletrônica, devendo-se levar em conta essa transformação nos esforços teóricos a respeito do processo.
Mesmo os SEPAJ atuais, ainda embrionários e pobres de incorporação tecnológica, já demonstram profundos efeitos sobre os operadores humanos, condicionando-lhes a atuação processual. Ou se faz a coisa do jeito que o SEPAJ quer ou não se tem processo. Mas essa presença tecnológica tenderá a expandir-se, inexoravelmente, invadindo os espaços de prova (eProva), avaliação dos meios de prova coligidos diretamente ou por sistemas psíquicos, sugestão de soluções e, quiça, como alguns já sonham, avançando para o próprio âmbito decisório (processo em juiz!).
Portanto, melhor buscar um entendimento do que seja um
agente automatizado e de que forma ele se apresenta no processo, quando comparado a um humano!
[2] À luz da análise de
sistemas existe a classificação análoga dos sistemas em determinísticos e
probabilísticos.
[3] LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Trad. de Ana
Cristina Arantes. 2. Ed. Petrópolis:Vozes, 2010. p. 106.