“Uma comunidade política trata dos seus membros de modo
desleal quando aplica as regras e os princípios estabelecidos de um modo que,
mesmo consistente, seja de fato arbitrário.”[1]
Naturalmente, na sequência, Günther apresenta inúmeros argumentos para justificar a afirmação, todos eles condições para garantir que a aplicação de regras e princípios não se fará de modo arbitrário, algo incompatível com a ideia de Direito.
Fortemente inspirado em Dworkin e em Habermas - cujos pensamentos, no particular, ele considera próximos - Günther põe muita força ao afirmar que " [...] no âmago, direitos são de natureza moral, portanto, inacessíveis à alteração positivadora" [2]. Ou seja, somente sob inspiração moral-universalista (e vale lembrar o princípio de universalização U, tão marcado por Habermas), com a consideração ampla dos interesses de todos os envolvidos, a aplicação de regras e princípios pode ser feita de modo consentâneo com os objetivos do Direito.
Ora, contra tal panorama teórico, é preciso reconhecer que a aplicação de regras e princípios processuais, no caso do processo eletrônico brasileiro, tem sido feita, muitas e variadas vezes, de forma que parece se aproximar do que Günther classificaria de arbitrária.
Ousa-se afirmar isso porque, apesar do consistente esforço para aproveitar as inovações tecnológicas para o bem do processo - hoje inegável da parte do CNJ e dos conselhos superiores -, parece faltar, em muitos momentos, na implementação do processo eletrônico, a necessária consideração dos interesses de todos no decidir e no implementar o decidido. Daí termos falado, entre as regras estratégicas para o avanço para um processo eletrônico consistente e legítimo, da regra da legitimação [3].
Muitas "surpresas" têm sido trazidas à divulgação, acompanhadas de críticas, seja por advogados, seja por juízes e outros usuários, na utilização do sistema processual eletrônico. Ora, as surpresas denotam, exatamente, essa falha de legitimação (o amadurecimento prévio e universalizado das implementações tecnológicas), que é acentuada, em muitos casos, pela ausência de transparência. O sistema processual - que é um amálgama de normas técnicas e normas jurídicas tecnologicamente expressas (normas tecnológicas - eNormas) - realmente parece ser alterado, inumeráveis vezes, sem a discussão prévia das inovações.
Advogados e juízes são os mais impactados por essa carência e as infindáveis críticas assestadas contra a tecnologia e sua incorporação ao processo tornam evidente que, finalmente, advogados e juízes estão começando a entender a extensão da renovação que a tecnologia produz na vida do Direito.
O Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, presidente do TST, tem demonstrado grande sensibilidade para ouvir os envolvidos e balancear o avanço das inovações (cuja necessidade não é posta em dúvida) com as condições de realidade (técnicas e temporais) para implementá-las. Isso reflete um avanço efetivo na direção de uma incorporação legítima da tecnologia na vida do Direito e do processo.
O Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, presidente do TST, tem demonstrado grande sensibilidade para ouvir os envolvidos e balancear o avanço das inovações (cuja necessidade não é posta em dúvida) com as condições de realidade (técnicas e temporais) para implementá-las. Isso reflete um avanço efetivo na direção de uma incorporação legítima da tecnologia na vida do Direito e do processo.
[1] GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. São Paulo:Landy Editora, 2004. p. 409.
[2] GÜNTHER, Klaus. Teoria.., p. 410. É preciso lembrar que Günther, na esteira do neo-constitucionalismo, reconecta diretamente Direito e Moral, ao contrário do que fizera o estruturalismo formalista kelseniano do princípio do século.
[3] Ao tratar das três regras básicas, jurídico-estratégicas, para um avanço consistente para o processo eletrônico, escrevemos: "a norma tecnológica deve ser estabelecida por mecanismos abertos, democráticos e institucionalizados; abrir os códigos-fonte deve ser apenas uma fase terminal de um processo que, pelo que representa de ameaças aos direitos fundamentais processuais, deve começar pela definição da norma que se vai converter em código-fonte".
[3] Ao tratar das três regras básicas, jurídico-estratégicas, para um avanço consistente para o processo eletrônico, escrevemos: "a norma tecnológica deve ser estabelecida por mecanismos abertos, democráticos e institucionalizados; abrir os códigos-fonte deve ser apenas uma fase terminal de um processo que, pelo que representa de ameaças aos direitos fundamentais processuais, deve começar pela definição da norma que se vai converter em código-fonte".