Habermas, em Direito e
democracia: entre faticidade e validade, analisando o pensamento de Dworkin
e a teoria dos direitos, diz que se deve considerar, para a jurisdicão atual,
regras específicas de aplicação e princípios, num universo de muitas colisões.
Por isso, “todas as normas vigentes são naturalmente
indeterminadas, inclusive aquelas cujo componente ‘se’ explicita a tal ponto as
condições de aplicação, que elas somente podem encontrar aplicação em poucas
situações típicas padronizadas [...] “[1]. Ou seja, apesar do esforço de “pré-visão” -
que se exprime nos inúmeros condicionantes da aplicação - as normas tendem à
indeterminação. Na verdade, tais
indeterminações constituem os espaços de manobra do decisor para a aplicação justa da norma.
Diz, ainda, Habermas, que
“somente quando se conclui que uma norma válida é a única norma
apropriada a um caso a ser decidido, ela fundamenta um juízo singular, que pode
pretender ser correto.”[2] O juízo
singular é, exatamente, a norma ajustada
para o caso que se apresenta à decisão. É por isso que a validade da norma prima facie “significa apenas que ela foi fundamentada de modo imparcial; para que
se chegue à decisão válida de um caso, é necessária a aplicação imparcial. A validade da norma não garante por si só a
justiça no caso singular.”[3]
Como justificativa prático-operacional de sua última
afirmação, Habermas, amparando-se no pensamento de Klaus Günther, pensa que “a aplicação imparcial de uma norma
fecha a lacuna que ficara aberta quando da sua fundamentação imparcial, devido
à imprevisibilidade das situações futuras.”[4] Vêem-se, aí, confrontados, os dois momentos
destacados por Günther para a vida das normas: o da fundamentação e o da aplicação,
este último, quando a norma fundamentada recebe o influxo reflexivo da situação
a decidir e é ajustada para operar de forma justa.
E, em afirmação que muito interessa à teorização da norma tecnológica, o jurista alemão
termina dizendo que “em discursos de aplicação, não se trata da validade e sim
da relação adequada da norma à situação.”[5]
Ora, a norma
tecnológica, por suas características singulares, foge a esse figurino teórico que se estriba
na distinção de Günther dos dois momentos, o da fundamentação e o da aplicação.
A norma tecnológica
é gerada num ponto intermediário, até agora não adequadamente entendido e
regulado, que se situa entre o momento da geração fundamentada da norma prima facie e o da aplicação daquela norma ao caso concreto.
Ou seja, pode até haver um esforço de melhor explicitação de
futuras situações de aplicação
(mais profundo que o desenvolvido pelo
legislador, na fundamentação!), mas, definitivamente, ela será aplicada ao caso
concreto sem um real respeito à situação que se apresenta.
Habermas fala em “relação
adequada da norma à situação” ,
construída num discurso de aplicação, ou seja, num discurso que se estriba, de
forma efetiva e direta, na consideração das perístases da situação. E isso, no caso da norma tecnológica, definitivamente não ocorre.
A norma tecnológica se autoaplica,
considerando as previsões feitas e traduzidas em condições técnico-estruturais
(o programa ou código), mas é necessário admitir que está afastada, no caso,
uma consideração efetiva da situação.
[1]
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia:
entre facticidade e validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1997, v.1.
p. 269.
[2]
HABERMAS, Jürgen. Direito e
democracia..., p. 270.
[3]
HABERMAS, Jürgen. Direito e
democracia..., p. 270.
[4]
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia...,
p. 270.
[5]
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia...,
p. 270.
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