domingo, 20 de janeiro de 2013

Norma tecnológica (eNorma) e assinatura eletrônica: realidade jus-tecnológica

É hora de abrir 2013.  Que todos tenham um ótimo ano! Neste ano, a norma tecnológica (eNorma) deve ganhar a consideração de muitos outros estudiosos. É o que penso...

Há quem veja a afirmação do surgimento desta nova categoria da ciência jurídica, a norma tecnológica, como uma provocação.  Deve-se respeitar essa visão, como qualquer outra, pois apesar de tudo que já se escreveu sobre ciência e neutralidade - há fundamentos para todas as visões! - o que se está tentando é apenas demonstrar que surgiu, no cenário jurídico, esse novo ente científico de natureza jurídico-tecnológica. Filha da automação, a norma tecnológica parece ter de  fazer parte de qualquer abordagem que se faça do jurídico, daqui para a frente.  

Não se trata, portanto, no caso,  de ser contra ou a favor. Trata-se, apenas, de constatar que somente com essa nova categoria da Ciência do Direito é possível abordar, cientificamente, o fenômeno jurídico, no cenário atual, de profunda  "tecnologização".  A incorporação da tecnologia pelo Direito é indiscutível. E disso nasceu uma realidade jus-tecnológica, que todos dizem ampliada e que, portando, supõe um ordenamento também aumentado (o ordenamento com o qual todos estão habituados, acrescido das normas tecnológicas).

O  exemplo da "assinatura eletrônica" é muito bom para refletir sobre essa metamorfose do fenômeno jurídico. 

A lei 11.419/2006 dispõe, nos artigos iniciais,  que:

" Art. 1° - Para o disposto nesta Lei, considera-se : 
[...] 
III - assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário: 
a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica;
b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.

Art. 2o  O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão  admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1o desta Lei, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.
§ 1o  O credenciamento no Poder Judiciário será realizado mediante procedimento no qual esteja assegurada a adequada identificação presencial do interessado.
§ 2o  Ao credenciado será atribuído registro e meio de acesso ao sistema, de modo a preservar o sigilo, a identificação e a autenticidade de suas comunicações.
§ 3o  Os órgãos do Poder Judiciário poderão criar um cadastro único para o credenciamento previsto neste artigo."

Estão postas, aí, algumas categorias que chamam a atenção: assinatura eletrônica (gênero), assinatura digital (espécie), cadastro de usuário, credenciamento prévio,  cadastro único de credenciamento, registro e meio de acesso. A exigência do credenciamento prévio fez surgir a controvertida tese do "duplo-requisito", segundo a qual, mesmo com um certificado em mãos, o advogado deve submeter-se ao credenciamento junto ao PJ,  recebendo,  no ato,  o "registro e meio de acesso ao sistema", o que significa que todo advogado tem, ao menos, login/senha para trabalhar.  Ou seja, pode até haver advogado sem certificado digital, mas não deveria haver advogado sem login/senha, nos termos peremptórios da lei.

Trata-se, nesse caso,  da segunda espécie de assinatura eletrônica. Ou seja, ainda que o credenciado esteja de posse de seu certificado digital (e, portanto, já tenha passado, nos termos da lei nacional, pelas rotinas presenciais para obter  meio de  garantir 'autenticidade, integridade e sigilo' de seus atos "virtuais" - ICP-Brasil), deverá renovar esses atos perante o Poder Judiciário e receber, novamente, registro e meio de acesso  com as mesmas finalidades. 

Inútil? Não vem ao caso, aqui, mas se pode consignar que, em muitos momentos, a falta dessa dupla via de acesso tem criado enormes embaraços aos advogados.  Quem já atuou numa comissão de tecnologia da informação de OAB sentiu  o problema. 

Pois bem... 

Posta e interpretada (parcialmente) a regra legal textual, acima transcrita, é válido verificar como ela tem se exprimido em termos tecnológicos

No caso do PJe-JT, por exemplo, suprimiu-se inteiramente a possibilidade de uso da espécie de assinatura eletrônica por login/senha, que o legislador chama de "forma de identificação inequívoca do signatário". Decidiu-se que somente com certificado digital pode haver o acesso à Justiça. 

O legislador  fala em "formas", no plural, o que supõe a existência de mais de uma (como de fato existe na lei). Mas, no PJe-JT,  na implementação das diretrizes dos artigos supra, em termos tecnológicos,  ou o advogado dispõe da forma de assinatura prevista no art. 1°, III, "a", ou não praticará os atos. O sistema processual (agente automatizado) só lhe dará acesso à Justiça se dispuser daquela específica forma de assinar, embora, com certeza, o advogado esteja habilitado para assinar da outra forma.

Certamente, há muitas justificativas e conveniências para isso. Mas  não há uma lei - falo de norma hierarquicamente equivalente à Lei 11.419 - que tenha derrogado a lei 11.419 e instituído, de forma clara, a "via única de acesso ao processo". Assim, a via de acesso única poderia ser interpretada, nos termos da lei, como uma violação das  "prerrogativas legais do advogado". Essa parece uma interpretação bastante razoável, principalmente se se considera a realidade brasileira (social e tecnológica).

A decisão pela via única se fez em algum momento, no âmbito de algum órgão (que pode até estar legitimado para tanto!)  e a norma tecnológica está afinada com esta decisão. Portanto, ela se ajusta apenas parcialmente  à lei. Pode-se pensar, então, que há duas normas no ordenamento: o sentido do texto legal e a que ganhou expressão tecnológica. No âmbito do PJe-JT, não se pode recorrer à lei em si, mas apenas à aplicação daquela lei (sentido em que foi tomada) feita na implementação do sistema processual. 

A norma que se autoaplica, porque integrada ao sistema processual, descolou-se do texto do legislador ( embora se ancore naquele texto), ganhou vida própria e contornos muito específicos. Pela via da interpretação, deu-se à norma tecnológica um alcance que, numa visão bastante razoável, parece restringir lógico-extensivamente a norma legislativa e suprimir dos advogados uma prerrogativa estabelecida na Lei 11.419/2006.

Quer dizer, com as normas tecnológicas faz-se uma realidade ampliada e diferente, jus-tecnológica, em que os direitos e deveres exprimem-se também de um modo novo, diferenciado, tecnológico,   e na qual, doravante,  estaremos todos imersos. Na verdade, já estamos...   Essa realidade nova é tecida de normas de diferentes tipos, inclusive tecnológicas.



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