Transparência: o direito de olhar, ver e entender |
Pelas circunstâncias do momento, usou-se o processo e
sua informatização para demonstrar a urgência de explicitar esse direito
fundamental à transparência tecnológica[1]. Mas, na verdade, tal direito tem sido ventilado e justificado, num âmbito
mais geral, e se faz necessário diante do avanço das tecnologias em todas as
áreas de egovernança.
Em 2007, nos Estados Unidos, Danielle Keats Citron,
professora assistente da Faculdade de Direito da Universidade de
Maryland/EUA, desenvolveu um extenso
trabalho de pesquisa e compilação, reportado em artigo sob o título technological due process[2],
enfocando a atuação das agências administrativas e suas práticas automatizadas.
A pesquisa concentrou-se nos chamados BMSs (Benefits
Management Systems) norteamericanos e os incontáveis exemplos presentes
naquele estudo demonstram o impacto, os problemas e as dificuldades da
automação dos processos de adjudicação dos benefícios. No Brasil, o projeto do novo código de processo civil reconhece a presença das inovações e os teóricos falam, aqui também, do devido
processo tecnológico.
Por outro lado, parece estranho voltar à carga com a questão da
transparência, uma vez que, em 2011, no Brasil, a lei 12.527 tratou do acesso à
informação, sob discurso estribado fortemente na ideia de transparência. Aquela lei, entretanto, acrescentou pouco à disciplina processual,
toda ela permeada, desde a base, pela publicidade. Por incrível que pareça, o legislador, em tão extenso e
minucioso documento, não se ocupou adequadamente das novas tecnologias da informação (TIs), colocando sua incorporação,
clara e expressamente, sob as luzes da transparência. Nesse especial aspecto, a lei poderia ter
efetivamente inovado para o processo, que está sendo invadido por essas
tecnologias, mas não o fez.
O que se quer dizer é que o legislador ocupou-se dos dados e, pela via da facilitação do
acesso a eles, buscou cercá-los da necessária transparência. Perfeito? Nem tanto.
Num mundo dominado pelas tecnológicas da informação,
onde o acesso ao dado é sempre mediatizado (não se consegue ler nada
diretamente, dependendo sempre de uma ferramenta!), parece claro que a própria
ferramenta deve ser alvo dessa “prescrição de transparência”.
Como demonstra o artigo de 2012, quando se aprofunda o
fenômeno da softwarização e os
sistemas vão além da mera recepção e do manejo dos dados para exibi-los, ocupando-se, também, de
muitos aspectos anteriormente entregues a humanos (automação, agentes
automatizados...), a questão da transparência ascende a nível superior. Pode-se estar diante das normas tecnológicas (eNormas) e saber, em linguagem clara e
acessível, como foi determinado e codificado o programa com o qual todos irão
interagir é um direito fundamental. Saber por que, onde, quando, por quem e, notadamente, como o agente automatizado de interação está determinado para agir parece, sem dúvida, ser um direito dos usuários dos sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais (SEPAJs).
[1]
Entende-se que este assunto merece um tratamento geral, com fundamentos
ampliados. No artigo, fechou-se o foco no processo judicial e explicitou-se o
direito fundamental geral como um caso particular para o processo.
[2][2] CITRON, Danielle Keats.
Technological due process. Washington University Law Review. St. Louis, v. 85, p. 1249,
2008. O paper está disponível em: http://ssrn.com/abstract=1012360. Acesso
em: 25 jun. 2012.
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