Vou utilizar uma discussão simples, ocorrida no âmbito de uma lista de que participo (GEDEL), para falar um pouco mais de norma tecnológica. |
Saiba mais sobre norma tecnológica
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O caso: um determinado sistema processual eletrônico não aceita PDFs de petições que contenham imagens de mais de 200 KB. Ou seja, pelo que se entendeu, mesmo que o arquivo PDF esteja dentro dos limites estabelecidos (10 MB para aquele tribunal), o fato de o PDF conter uma imagem de documento com mais de 200 KB torna tal PDF "não recepcionável" pelo sistema. O advogado deve ajustar-se a tais limites, sob pena de ver cerceado seu direito de prática daquele ato.
Então, como se vê, o sistema processual em questão age orientado por uma norma (Imagem com mais de 200KB. Pena: rejeição!). Embora estejam em jogo grandezas numéricas (tamanhos de arquivos digitais), o efeito da restrição é claramente jurídico: interfere e condiciona o exercício de um direito processual legalmente estabelecido.
Ou seja, os fatos que se apresentam (peças e seus tamanhos) são interpretados à luz de uma regra que foi codificada no sistema. Exatamente como, para Kelsen, os humanos usam as normas jurídicas para interpretar os fatos (orientam-se por elas). Segundo essa norma codificada, o sistema deve rejeitar o tal documento porque a imagem excede um limite dado. O verbo "dever", nessa frase, não é muito apropriado. Melhor seria dizer o sistema rejeitará!
Estamos, aí, diante de uma norma tecnológica, com suas muitas especificidades. Algumas:
1) Esse "intérprete" (o sistema, que é o interlocutor do advogado no momento do ajuizamento da petição), que é a expressão operacional da norma, age sob lógica formal estrita, não modal, muito menos deontológica. Uma característica interessantíssima, tratando-se do âmbito jurídico e depois de tanto esforço para explicitar lógicas próprias para essa ciência.
Para o sistema, se não houve programação para isso, não importa que tipo de direito material ficará prejudicado pela rejeição fundada em pormenor de forma absolutamente supérfluo: se se discute vida, valores vultuosos, nada interessa. Nem, tampouco, se o excesso é de 10 KB (210 KB em vez de 200KB) e se essa pequena diferença vai causar prejuízos irreversíveis para a vida de uma pessoa. Qual juiz "humano" agiria dessa forma?!?
2) A norma, por sua vez, está escrita numa linguagem fonte - java, C, C#, delphi -, num enunciado que os técnicos entendem. E, quando ela é utilizada pela máquina, já se apresenta em outra linguagem (de máquina, linguagem objeto), mas esta última passagem (fonte para executável) é trivial (Foerster) e, por isso, irrelevante. A compilação é uma função tecnológica trivial.
Agora, na passagem da "lei" (texto normativo legislado, em sentido amplo), para a linguagem fonte (no algoritmo), há dois momentos cruciais:
a) a definição do sentido do texto legislado que será codificado (no exemplo, a determinação dos limites) e
b) a expressão daquele sentido na linguagem fonte escolhida.
3) A coisa se agrava, como me realçou um colega dias atrás, quando a questão é de "integração". E os vazios legislativos, nessa área, superam todas as expectativas.
4) Para o exemplo dado, é válido perguntar: qual o fundamento jurídico das restrições impostas ao advogado no momento de ajuizar a petição? Quem definiu isso? De onde advém a competência para essa "interpretação" e "definição" do conteúdo da norma levada ao fonte do software? Por que o limite da imagem é 200 KB, e não 2000? E o do PDF é 10 MB e não 20 MB?
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