Nas suas lições de filosofia do direito (1), no item 39 (p. 155 e seguintes), Bobbio fala da formulação da teoria da coação, que ele qualifica de moderna (Kelsen e Ross), contrapondo à doutrina clássica, para a qual "o direito é um conjunto de normas que se fazem valer coativamente". E acrescenta que a nova concepção vê o direito como o conjunto de normas "que regulam o uso da força coativa". Nessa reformulação de visão, realça o papel de Ross, dizendo-o "o autor que mais clara e conscientemente põe o dedo na ferida [...] " para evidenciar o significado novo que a teoria da coação assumiu.
Segundo essa concepção, continua Bobbio, "o direito surge quando cessa [...] o exercício indiscriminado da força individual e se estabelecem as modalidades de exercício da força [...]: quem, quando, como, quanto".
Quem: estabelece-se o monopólio do uso da força pelo Estado e seus órgãos "e o exercício da força se qualifica como lícito ou ilícito segundo provenha do grupo monopolizador ou de outros sujeitos." (p. 158) [grifo meu].
Quando: a aplicação da norma somente se pode dar quando ocorrem as circunstâncias previstas pela lei;
Como: " as normas processuais regulam precisamente a modalidade através da qual se julga a aplicação da coação [...] ;
Quanto: " [...] isto tem o objetivo de reduzir ao mínimo o exercício arbitrário do poder [...] ", o que, em visões do pós-positivismo, traduz-se em promover a contextualização da norma, como condição de sua imparcialidade e legítima aplicação.
Ora, considerando-se o caráter de autoaplicação das normas tecnológicas, é possível suscitar reflexões em relação às quatro modalidades de aplicação coativa do comando normativo.
Em relação ao quem e ao aspecto de licitude/ilicitude correlato, é-se obrigado a considerar que deveria haver mecanismos transparentes para garantir que a aplicação, que é autoaplicação, provenha de instâncias legitimadas para fixar os conteúdos codificados. O "auto", na realidade, tem um sentido oculto de "externalização" do quem com o qual não se está habituado no processo (sabe-se, sempre, quem decidiu motivadamente!).
Em relação ao quando, práticas transparentes permitirão determinar que o código que se autoaplica contém, efetivamente, as condições legalmente estipuladas, numa interpretação emanada de órgãos legitimados para forjar a versão tecnológica do comando legal-textual. Além disso, parece que caberiam aqui, ainda, profundas reflexões a partir das críticas ao dogma da completude do direito (2), com o qual se trabalha, implicitamente, na automação.
O como mereceria comentários longos, partindo de um entendimento profundo da autoaplicação (giro autopoiético do sistema) e da presença dos mecanismos de automação.
E o quanto, definitivamente, requer muitas considerações, pois a ideia de contextualização (consideração das perístases da situação concreta examinada) parece que se perde no caminho. O trabalho de interpretação do texto e de determinação do conteúdo do comando tecnológico ocorre num nível de abstração equiparável ao do legislador.
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(1) BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. Lições de filosofia do direito.São Paulo:Ícone, 1995. 239p.
(2) BOBBIO, Norberto. O positivismo..., p. 207 e seguintes. Também: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília:Ed. Unb, 1999. p. 119.
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