terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Processo eletrônico, iPad, PJe-JT, norma tecnológica e os advogados

Sempre que se trata de processo e de regramento processual, os advogados situam-se como "grandes destinatários" de tudo que se produz, pois estão na "linha de fogo". Por isso, podem ser vistos como os grandes beneficiários do processo eletrônico, até agora. E, provavelmente, os mais impactados pelas novidades tecnológicas.

Em 1/12/12, no meu blog Estudos de Direito, publiquei o post em que noticiava a existência de um browser (navegador), disponível para o iPad, capaz de abrir arquivos em flash.  Segundo o Juiz Luiz Carlos Roveda, isso permitiria quebrar as restrições do Safari, que não entra sequer na consulta pública (sem certificação digital) do PJe-JT (novo sistema de processo eletrônico da Justiça do Trabalho). [ http://stavarespereira.blogspot.com.br/2012/12/processo-eletronico-e-ipad-novo.html]

Numa primeira mirada, trata-se apenas de uma novidade no âmbito da tecnologia. Será?

Na verdade, pensando-se com mais vagar, parece ficar claro que a norma tecnológica posta em operação (o sistema processual a incorporou desta forma) impõe meios específicos pelos quais os atos processuais podem ser cumpridos. Ou não?  O exercício de direitos processuais fundamentais está atrelado (subordinado) ao cumprimento de determinadas regras que, na sua versão tecnológica, são diferentes da norma prima facie (textual).  

Explico melhor: o CPC prevê a possibilidade de um recurso, por exemplo, num determinado prazo. Sempre tivemos "formas" para o exercício desse direito, definidas em lei, além da delimitação de conteúdos: requisitos intrínsecos e extrínsecos. E, portanto, não há novidade na existência de condições para exercitar o direito de recorrer. Normas e princípios combinam-se, de forma harmônica, na construção do "mecanismo recursal".

Com o sistema processual eletrônico, isso se transformou.  Somente a via "eletrônica"  passou a ser aceita. Portanto, na passagem do processo em papel para o "processo eletrônico",  novos condicionantes do exercício do direito de recorrer apareceram, portanto. O mais evidente, e necessário, é o uso de meios eletrônicos. 

Está errado isso? Parece que a resposta tende a ser um veemente não,  embora possa haver muitos questionamentos a respeito, por exemplo, da velocidade da implementação das exigências (imposição de formas em detrimento da substância), da inexistência de infraestrutura uniforme, em todo o território, para o exercício de direito fundamental (isonomia) etc. Essa discussão, entretanto, não atine diretamente à expressão tecnológica das normas postas (às normas tecnológicas). Não são inconvenientes que defluem da maneira como se escreveram (codificaram tecnologicamente) as normas legais do regramento recursal. 

Mas, indo ao ponto

A lei previu a evolução, claramente, para o uso de meios eletrônicos. Uma leitura da lei 11.419/2006 permite vê-la como uma ampla autorização para tal transformação processual. Isso se espraia ao longo do texto legal, por inúmeros dispositivos. O art. 10 é um excelente exemplo. 

No entanto, o arcabouço normativo da lei 11.419/2006, ao ganhar expressão tecnológica (ser escrito em linguagem técnica e transformar-se num sistema),  parece ter avançado em relação às restrições/previsões legais.  

Esta norma exigiu, para sua implementação, "decisões e escolhas". Foram decisões e escolhas que nortearam, e vem norteando, vultuosos investimentos públicos e, só por isso, são importantes. Mas isso implicou, também,  escolha de certas  "expressões tecnológicas" (digamos assim!) e não de outras.  O iPAD, por exemplo, está banido desse caminho. Nem gosto dele, mas trata-se de um bom exemplo para chamar a atenção para a categoria científica norma tecnológica.  

Essas e outras decisões, tomadas ao longo da construção dos sistemas eletrônicos processuais,  se incorporam ao arcabouço legal processual, transformando-o. No momento em que tal arcabouço ganha  expressão tecnológica, ou seja, exprime-se em normas tecnológicas, não há uma inócua "tradução" normativa. Muito pelo contrário! 

A norma tecnológica é diferenciada, única, tem sua própria expressão e seu modo de operação. Por isso é uma categoria científica nova, que está a exigir teorização e normatização. 

Não se trata, aqui, de ser contra ou a favor de nada, mas de destacar que, quando um regramento legal se exprime tecnologicamente, ele concretiza a previsão legal de certo modo, ou seja, a norma tecnológica distingue-se, em extensão e compreensão, da norma legal textual cuja implementação ela busca.

Os advogados, com  seus iPads, devem ter muitos outros exemplos similares.  



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