terça-feira, 11 de dezembro de 2012

OAB deve dar mais atenção à norma tecnológica!

Quando o recurso é rejeitado pelo sistema, ou o login negado, ou a assinatura conferida, ou a contagem do prazo feita de forma inadequada, ou o usuário que jura que se registrou não é identificado, em todas essas ocasiões, não é com um humano que o usuário está interagindo. É com uma norma tecnológica. O interlocutor do advogado é o sistema processual.

Num post, há alguns dias, mencionei os advogados como os operadores mais diretamente impactados pela incorporação das tecnologias no processo.

De fato, enquanto se pode dizer que quase nada foi incluído nos sistemas processuais para auxiliar os juízes, uma parcela muito substancial das funcionalidades está voltada diretamente ao mister do advogado. É por isso que eles, hoje em dia, peticionam de seus escritórios, fazem atos à distância, acompanham os processos de onde estiverem etc. 

Tudo isso, quando se funda em permissão legal, é viabilizado por esse ente novo da ciência jurídica que vimos denominando norma tecnológica. O sistema processual, com o qual o advogado interage no âmbito dos processos eletrônicos, é um amontoado de código (linguagem dos computadores). Parte desse código contém instruções para fazer o computador funcionar, apenas. A outra parte incorpora uma versão tecnológica da lei processual.  Ou seja, aquela lei processual com a qual o advogado está familiarizado precisa ganhar expressão em linguagem específica, de computador, para se construir um sistema processual. E, aí, o computador realiza atos processuais que antes eram efetuados por humanos. 

Contagem de prazo, por exemplo. De alguma maneira, faz-se uma função, dentro de um programa, para proceder a essa contagem e certificar o evento de transcurso do prazo. O servidor incumbido da tarefa é substituído por essa função do programa. A contagem ganha automaticidade.  Se a função tem o comportamento preconizado na lei é uma questão muito relevante para os advogados.   

A partir desse exemplo simples, é possível imaginar quanto da lei processual ganha expressão tecnológica para viabilizar um sistema processual. Quanto mais avançado o sistema, mais lei ele vai incorporando, o que significa, também, que mais ele se vai automatizando.

Todas essas normas, que operam no sistema e tornam uma imensidão de tarefas processuais automáticas, são normas tecnológicas. Outro exemplo interessante, como exercício de visibilidade,  é a função de automação da distribuição dos feitos em fóruns com mais de uma vara.  Uma coisa é falar, abstratamente, em ter algum mecanismo automático de distribuição. Outra, bem diferente, é implementá-lo. Nessa fase de implementação, muita coisa deve e pode ser feita, além de "tentar atender ao disposto na lei".   

A norma tecnológica nasce exatamente no momento em que a lei é transformada nesse programa do sistema processual. Os mais apressados dizem que isso é apenas uma tradução. Ora, mesmo numa tradução entre línguas humanas, há um forte teor de "transformação de sentido" envolvido.

O que dizer, então, da  transformação do texto natural da lei num texto codificado em linguagem de computador (código-fonte)? O potencial de transformação se multiplica.  Ao fato, em si, de ter de estabelecer um entendimento da norma legal-textual (prima facie) - interpretação -  para exprimir em linguagem técnica, soma-se um outro fato extremamente relevante: a nova norma (codificada) não se destinará à leitura e interpretação de um outro humano. Ela ganhará vida própria, no seio do sistema processual, e se autoaplicará no decorrer da operação do sistema.

Quando o recurso é rejeitado pelo sistema, ou o login negado, ou a assinatura conferida, ou a contagem do prazo feita de forma inadequada, ou o usuário que jura que se registrou não é identificado, em todas essas ocasiões, não é com um humano que o usuário está interagindo. É com uma norma tecnológica. O interlocutor do advogado é o sistema processual.

Por isso, tendo em vista as constantes e seguidas reclamações dos advogados a respeito de problemas dos sistemas processuais, é interessante que a OAB reclame espaço e tenha uma participação efetiva no controle de geração dessas versões legais tecnológicas (normas tecnológicas).  

Buscar a transparência dessas expressões tecnológicas das leis parece, inclusive, um dever de uma instituição como a OAB.


Nenhum comentário:

Postar um comentário